terça-feira, 26 de abril de 2011

Chocolate Quente com Laranja... Um Brinde ao Coração

As mãos, imóveis sobre o teclado. Os ombros, caídos na inércia, sob o peso das perguntas sem resposta. Os olhos, sem fixar, fixos na tela do computador. A mente, estagnada pela perplexibilidade. O coração, em busca de um atalho. Não vi o tempo passar. Nem sei se ele passou...
De corrosiva passara a amável, afável, adorável... E agora ali estava ela, fiel ao adjetivo que a identificara, mais como ironia de uma característica, do que alusão a um defeito. Corrosiva na ausência, com uma magnitude que chega a corroer a própria dor, transformá-la em nada, deixando apenas o vazio em seu lugar. 
Liguei. Não atendeu. Liguei de novo. Alguém atendeu, mas... não estava. Voltei a ligar. Alguém atendeu. Estava, mas... dormindo. Celular? Só dava caixa postal. E-mail? Mandei vários. Sei que os leu, mas só pude ler como resposta, alguns sarcásticos pontos de interrogação. Pior do que deparar com duras verdades, é a cruel incerteza da própria verdade. Restava-me esperar que o conciliador tempo me trouxesse respostas, ou me fizesse esquecer de esperar por elas.
Acalmei o coração, na confortante convicção de que aquilo que não pode ser pior, só tende a melhorar, e devolvi à mente o andamento que traz clareza aos fatos, mesmo que para descobrir o quão obscuros são. Recuperei a mobilidade das mãos, a percepção no olhar, e ergui os ombros. Achara o atalho.
Dirigi-me à cozinha, enquanto a alma sorria para a vida, de certa forma por ser assim, oscilante entre altos e baixos, nos quais encontramos nosso próprio equilíbrio. Levei ao fogo brando, duas xícaras de leite, ¾ de xícara de chocolate em pó, (amargo), uma colher (de café) de canela em pó e a casca de meia laranja, (tirada sem ferir a laranja, para que o leite não coalhe). Mexi pacientemente, até que engrossasse. Coloquei em uma caneca de porcelana branca, contemplei a névoa de calor que dela emergia, e inspirei o aroma que inspira o paladar.
Faço desta bebida um brinde a você minha amada amiga. Um brinde, onde a sombra do desconhecido perdeu seu tom ameaçador, e se veste com as cores da experiência, quando aprendemos que a decepção só floresce onde plantamos expectativas. Um brinde ao inabalável direito que te concedo, de permanecer aconchegada neste terno sentimento que me une a você. Um brinde à total ausência de qualquer obrigação de reciprocidade.Um brinde à arte de saber dar sem esperar receber, ou de saber receber, mesmo que não se possa dar. Manifeste-se quando souber, quando puder ou quando quiser.Você será sempre bem vinda!
(É permitida a reprodução deste texto, desde que seja citada sua origem e autoria: www.sensibilidadeesabor.blgspot.com; Cris Palavras)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Chocolate Quente... E a Magia do Calor do Gengibre

As lágrimas arrastavam-se lentamente pelo rosto, como se acompanhassem o compasso da dor que vai se instalando dentro do peito, devagar, na tentativa em arrumar um espaço para alojar sua intensa imensidão, sem estourar suas paredes, e fazê-lo derramar-se em rios de sangrentos devaneios.
Em toda a espécie de sensações que pudessem povoar seu interior, não havia estrutura para vocábulos, sinônimos ou metáforas, mais se parecia com retratos desordenados, rasgados, cujas imagens quase imperceptíveis, eram assustadoramente tristes e caóticas.
Fechou os olhos, fechando qualquer vinculo com a visão exterior, pediu ao coração, num apelo desesperado, que a ajudasse a varrer o breu dos becos formados pela penumbra das lembranças dolorosas, e a iluminar estes caminhos, ainda que tênuamente, para que neles pudesse vislumbrar alguma esperança, ainda que tímida, e alguma cor , ainda que pastel. Enchia os pulmões de ar, e expirava-o lenta, mas plenamente, na intenção de expelir com ele todo o desconforto da decepção. Por alguns instantes, este sopro estagnava as lágrimas, continha os soluços e anestesiava a alma, enquanto o silêncio gélido da madrugada impregnava as paredes brancas da cozinha.
Colocou num recipiente 4 colheres (de sopa) de chocolate em pó (meio amargo), duas xícaras de leite, casca de meio limão (cortada finamente, sem machucar a fruta), e uma colher (de chá) de gengibre ralado. Levou ao fogo alto até que fervesse, sem parar de mexer. Baixou o fogo, e continuou mexendo com movimentos largos, mas suaves, por mais ou menos 10 minutos, para que a consistência deste engrossasse, assemelhando-se à de um mingau ralo.
Imersa na contemplação de textura aveludada que a bebida ia adquirindo, deixara que seu espírito se despisse das auto-defesas a que recorrera momentos antes, e o viu de novo coberto como manto pesado da desilusão. As imagens da sua mente agregavam-se às do coração, e desenhavam com traços fortes a expressão cruelmente fria do rosto do homem que amava, e seu imperativo desprezo com relação ao suplicante apelo de carinho, na procura por um abrigo reconfortante que alojasse seu coração na brisa morna de outro coração onde o amor imperasse. A visão de um homem, para ela assustadoramente desconhecido, dilacerava-lhe as entranhas e sugava-lhe todas as forças em espasmos de solidão. As lágrimas que haviam estancado, obedecendo aos códigos de sobrevivência, retomavam seu curso, e brotavam dos olhos, tomando o caminho mais curto, mas doloridamente lento, enquanto desciam pelo rosto enquanto iam perdendo o seu volume, mas não a sua intensidade, até se perderem na cavidade do colo. Com a palma da mão alargada na sua capacidade máxima, tentou não só enxugar o pouco liquido que restava, como também apagar qualquer vestígio do sentimento que lhes dera origem. Fechou-a, na esperança de que uma triunfal mágica reduzisse toda a dor na irrealidade de um pesadelo, e levou-a ao peito, como que para devolver-lhe forças.
Inspirou o doce e levemente apimentado aroma que emergia com a nuvem de calor, desligou o fogo, coou o chocolate para que a maciez da bebida não fosse quebrada pelos grãos de gengibre moído, despejou-o suavemente numa xícara de porcelana branca, na qual já havia colocado uma colher (de sopa) de conhaque, provocando que toda a essência deste se misturasse lentamente à do chocolate.
Afastou a cadeira da mesa, sentou-se, e segurando a xícara entre as mãos, numa quase parasita troca de energia, levou-a aos lábios, para primeiro sentir o toque ardente do liquido que esta continha, e depois deixá-lo passear por todos os estímulos do paladar, até que escorresse pela garganta, e transferisse a cada milímetro do seu corpo e alma o estimulante calor, aliviando o frio cortante da lâmina que lhe rasgava o peito.


(permitida a cópia do texto, desde que citada a fonte e a autora - Cris Palavras)